...os porcos quando olham para mim vomitam!"
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Ontem fui ver, ao esplendoroso Theatro Circo, a estreia de Maldoror pelos Mão Morta. E o que é Maldoror, pergunta o desatento leitor? Ora bem, também eu (que lá estive) gostaria de saber responder de forma cabal. Mas posso dizer, sem mentir, que é uma espécie de adaptação sem forma definida da obra (que eu nunca li) do Conde de Lautréamont, pseudónimo de Isidore Ducasse. Pelo que li e me apercebi, a abordagem dos MM centra-se na ideia nuclear do livro, não tentanto acompanhar qualquer tipo de narrativa. E qual é a ideia nuclear? O mal, a repulsa, a indignidade, a recusa de quaisquer resquícios de autoridade, valores, ordem ou moral. Perversões sexuais, pedofilia, piolhos, matadouros, excrementos, sangue. Tudo isto, e muito mais, vai sendo recitado pelo nosso caro Adolfo, enquanto os 5 restantes elementos da banda o vão acompanhando musicalmente num registo rock próximo do habitual, cada vez mais permeado pela electrónica (como é patente nos últimos dois álbuns da banda e nos projectos paralelos de ACL, em especial os Mécanosphere). O centro do palco é ocupado por uma estrutura sobre a qual está pousada a bateria, e cuja base é o suporte de projecções de vídeo, muitas vezes captadas em directo pelo próprio Adolfo ou pelo arco do contrabaixo de Joana Longobardi. Os figurinos tranformam os 6 músicos em seres de esgoto, com escamas, pelos e pinças.
Dirá o leitor atento: rock, encenação de textos literários, sangue, sexo, anarquia, sujidade... qual é a novidade? Já não fizeram uma coisa parecida com Müller no Hotel Hessicher Hof? Já não ouvimos tudo isso desde há vinte e tal anos, em canções como Véus caídos, Aum, Charles Manson, Anarquista Duval, Bófia, Chabala, Amesterdão, Cão da Morte, Anjos Marotos, etc. etc. etc? Claro que sim. O que só nos garante que com Maldoror os MM estão no seu ambiente natural. Mas isto é também, porventura, a maior reserva que o espectáculo pode merecer: não estarão a dar uma grande volta para continuar falar do mesmo, apenas com uma superior caução literária?
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Naturalmente, nada como ir ver (o que cá no Porto, pelos vistos, so vai ser possível em 2008...) . Entretanto, podem espreitar aqui se quiserem ter um cheirinho do espectáculo. Ou ler aqui uma entrevista com o poeta/performer/músico/jurista a quem alguém uma vez, num debate e falando a sério, chamou Dr. Luxúria. Fica-lhe bem.
1 comentário:
O livro é porreiro. A abordagem inicial pode ser complicada (na preocupação de não perder pitada dos pormenores que o Monsieur Ducasse - a.k.a. Conde de Lautrèamont - verte em cada linha), mas apanhado o ritmo, é uma narrativa altamente improvável.
Há uma passagem que se passa se não estou em erro, num cemitério nórdico, que é dos bocados de prosa mais épicos que já li.
De resto, tubarões no céu, mutilações gratuitas, fixezito portanto. :-)
Mesmo que seja só para o ano, é bom saber que vem ao Porto, obrigado.
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