12 maio 2007

"Estou sujo, roído dos piolhos...

...os porcos quando olham para mim vomitam!"


Ontem fui ver, ao esplendoroso Theatro Circo, a estreia de Maldoror pelos Mão Morta. E o que é Maldoror, pergunta o desatento leitor? Ora bem, também eu (que lá estive) gostaria de saber responder de forma cabal. Mas posso dizer, sem mentir, que é uma espécie de adaptação sem forma definida da obra (que eu nunca li) do Conde de Lautréamont, pseudónimo de Isidore Ducasse. Pelo que li e me apercebi, a abordagem dos MM centra-se na ideia nuclear do livro, não tentanto acompanhar qualquer tipo de narrativa. E qual é a ideia nuclear? O mal, a repulsa, a indignidade, a recusa de quaisquer resquícios de autoridade, valores, ordem ou moral. Perversões sexuais, pedofilia, piolhos, matadouros, excrementos, sangue. Tudo isto, e muito mais, vai sendo recitado pelo nosso caro Adolfo, enquanto os 5 restantes elementos da banda o vão acompanhando musicalmente num registo rock próximo do habitual, cada vez mais permeado pela electrónica (como é patente nos últimos dois álbuns da banda e nos projectos paralelos de ACL, em especial os Mécanosphere). O centro do palco é ocupado por uma estrutura sobre a qual está pousada a bateria, e cuja base é o suporte de projecções de vídeo, muitas vezes captadas em directo pelo próprio Adolfo ou pelo arco do contrabaixo de Joana Longobardi. Os figurinos tranformam os 6 músicos em seres de esgoto, com escamas, pelos e pinças.

Dirá o leitor atento: rock, encenação de textos literários, sangue, sexo, anarquia, sujidade... qual é a novidade? Já não fizeram uma coisa parecida com Müller no Hotel Hessicher Hof? Já não ouvimos tudo isso desde há vinte e tal anos, em canções como Véus caídos, Aum, Charles Manson, Anarquista Duval, Bófia, Chabala, Amesterdão, Cão da Morte, Anjos Marotos, etc. etc. etc? Claro que sim. O que só nos garante que com Maldoror os MM estão no seu ambiente natural. Mas isto é também, porventura, a maior reserva que o espectáculo pode merecer: não estarão a dar uma grande volta para continuar falar do mesmo, apenas com uma superior caução literária?


Naturalmente, nada como ir ver (o que cá no Porto, pelos vistos, so vai ser possível em 2008...) . Entretanto, podem espreitar aqui se quiserem ter um cheirinho do espectáculo. Ou ler aqui uma entrevista com o poeta/performer/músico/jurista a quem alguém uma vez, num debate e falando a sério, chamou Dr. Luxúria. Fica-lhe bem.

1 comentário:

Anónimo disse...

O livro é porreiro. A abordagem inicial pode ser complicada (na preocupação de não perder pitada dos pormenores que o Monsieur Ducasse - a.k.a. Conde de Lautrèamont - verte em cada linha), mas apanhado o ritmo, é uma narrativa altamente improvável.
Há uma passagem que se passa se não estou em erro, num cemitério nórdico, que é dos bocados de prosa mais épicos que já li.
De resto, tubarões no céu, mutilações gratuitas, fixezito portanto. :-)
Mesmo que seja só para o ano, é bom saber que vem ao Porto, obrigado.