09 fevereiro 2007

Caixa de Clips 010 - Talking Heads / Crosseyed and painless (1980)

Na minha adolescência, como em quase todas, a banda sonora teve um papel fundamental. Adolescente que se preze fica durante horas fechado no quarto a ouvir repetidamente os seus discos até os saber de cor, palavra por palavra e acorde por acorde.
Quando tinha 16-17 anos, uma das minhas bandas favoritas eram os Talking Heads. No mesmo patamar só estavam os Joy Division e os Echo (por estranho que agora isso me pareça, os Velvet e os Clash chegaram um bocadinho mais tarde). Tinha e tenho todos os discos deles, e ainda hoje não sei dizer qual é o meu favorito: o nervoso More songs about buildings and food, o inquietante Fear of music ou este Remain in light, que abriu à juventude branca o mundo de possibilidades oferecido pelos ritmos negros (um bocadinho como os Stone Roses voltariam a fazer quase 10 anos depois, nos avassaladores minutos finais do seu disco de estreia). Poucos jovens caucasianos se interessavam, à altura, por funk como aquele que os Heads nos ofereciam aqui, muito simplesmente porque continuava a ser uma música de ghetto que não chegava à TV e muito menos aos tops. O fenómeno breakdance ainda estava para rebentar, e alguns anos passariam antes que o Rap (na altura não se falava em hip-hop) desse o salto para o mainstream - falo evidentemente do momento em que Rick Rubin (que 10 anos mais tarde seria o grande obreiro da ressurreição de Johnny Cash) se lembrou de pôr Run-DMC a fazer um dueto com os Aerosmith nesse hino à iniciação sexual chamado Walk this way. Mas tergiverso. A ideia é falar dos Heads, e não de chapéus de côco, Adidas sem cordões e jovens a transbordar de testosterona "goin' down on a muffin'".
Remain in Light encerra a trilogia de álbuns dos Heads produzidos por Brian Eno, que já tinha sido um colaborador imediato de Bowie na sua própria trilogia de Berlin (Low, Heroes e Lodger). Sem que isso o faça necessariamente um disco melhor do que os anteriores, nota-se um amadurecimento enorme do som da banda. Ainda que no Lado B (quem tiver menos de 30 anos é favor consultar uma enciclopédia para saber o que é isso) haja menos ritmos dançáveis, e até a tentativa, confessada por David Byrne, de copiar o som dos Joy Division sem nunca os ter ouvido, mas apenas pelo que lia sobre eles na imprensa (The overload, a faixa que encerra o disco), percebe-se pela primeira vez que os Heads tinham encontrado um som e que o queriam explorar até ao limite. É claro, desde os primeiros segundos de Born under punches, que estamos perante uma banda fascinada pelo ritmo, pelos diálogos frenéticos entre a guitarra-ritmo e a percussão, por coros que nos fazem lembrar canções tribais, pelo uso delirante das palavras, que muitas vezes têm um valor claramente mais fonético do que semântico - apesar da reputação de Byrne como um dos letristas mais brilhantes da cena new-wave.
Duas das faixas mais imediatas do disco proporcionaram dois clips invulgarmente originais para os padrões da altura: o brilhante, marcante e inesquecível Once in a lifetime (que podem ver em link), e este Crosseyed and painless, que resolvi destacar por ser menos conhecido e por nos recordar de onde vinha a música que estes quatro nerds intelectualóides brancos tocavam. Ambos têm a mãozinha de Toni Basil (de quem já falei aqui), como coreógrafa e co-realizadora. E são um regalo para a vista e para os ouvidos.
Enjoy!

5 comentários:

nuno.sa.montenegro disse...

Alto lá e pára o baile... eu tenho menos de 30 aninhos - um bocado menos até - e sei bem o que é o Lado B... Mas eu tembém não sirvo de exemplo, dados os 3.000 vinis (por acaso, é mais pros 10.000, mas eu não gosto muito de me armar ao pingarelho...) que há cá em casa, a juntar a algumas k7 que resistiram à aborrecida era da digitalização.

Não os ouço com frequencia, mas adoro talking heads. Para além de que estavam na vanguarda dessa menorizada arte que é o videoclip.
Boa escolha Joe!

Joe disse...

Há uma coisa chamada "Storytelling giants" que é uma autêntica pérola para quem gosta desta idade do bronze não apenas do videoclip mas do cinema "indie". É a colecção de todos os telediscos dos TH (excepto os 2 tirados do "Naked", que saiu depois), entrecortados por relatos americanos comuns que vão contando à camera pequeníssimas histórias ou coisas que um dia lhes aconteceram (ou não). Não sei se existe em DVD, mas tenho a ideia de ter vindo incluído como extra numa caixa estupidamente cara que saiu há 2 ou 3 anos. Eu tenho em VHS :)

nuno.sa.montenegro disse...

Fantástico, não conhecia essa caixa!

Joe disse...

Apesar do desagradável estatuto de desertor, coloco o meu exemplar à disposição de V. Exª. Aqui nesta casa temos um coração grande!

nuno.sa.montenegro disse...

Desertor ou infiltrado no seio da concorrência? eheheh
Com muito gosto, combinamos isso e obrigado ;)