Deparei ontem, mais ou menos por acaso, com um volume da colecção de cinema da Taschen dedicado ao film noir - ou mais exactamemte à sua época áurea, entre princípios dos anos 40 e finais dos 50. Não resisti a comprá-lo, no que fiz fiz muitíssimo bem. Além de traçar de forma completa e rigorosa a história do género (ainda por cima bem traduzido do original), o livro tem a qualidade de impressão, de fotografia, de design e layout a que a Taschen jamais foge. Na capa e contracapa vêem-se as duas mãos tatuadas de Robert Mitchum (a que Nick Cave presta homenagem em The mercy seat) no assombroso Night of the hunter (embora não especialmente representativo do género, e curiosamente a única realização de Charles Laughton). Por dentro, as páginas são negras e profusamente ilustradas (como é óbvio, quase integralmente a preto e branco). E foi barato, e tudo.
O noir é com grande probabilidade o meu estilo preferido dentro da história do cinema. Gosto de personagens determinadas a ter o que querem a qualquer preço. Gosto de ver mulheres pérfidas e homens manipulados. Gosto de intrigas rebuscadas e reviravoltas inesperadas. Gosto de ver polícias bons e polícias maus. Gosto de sentir o arrependimento amargurado daqueles a quem o crime não compensa. Gosto de ver homens destroçados a vingarem-se das malfeitorias sofridas com as forças que lhes restam. Gosto de filmes a preto e branco. Gosto de actores duros como James Cagney, Edward G. Robinson, Richard Widmark, Glenn Ford, Robert Mitchum ou Humphrey Bogart (pode lá comparar-se Casablanca a À beira do abismo?). Gosto de mulheres sonsas como Barbra Stanwyck, Veronica Lake ou Gene Tierney.
Tem havido boas releituras do género, normalmente por cineastas jovens e em início de carreira. Tarantino e Lynch roubaram imensos elementos do noir na construção dos seus próprios géneros pessoais e intransmissíveis (Pulp fiction e Blue velvet serão os exemplos mais claros). John Dahl (com a preciosíssima colaboração da sua musa Linda Fiorentino, a bitch mais bitch que Hollywood produziu em décadas; e nem sequer bonita, apesar do nome...) tem feito toda uma carreira à conta do noir, sendo A última sedução especialmente notável. Outros bons exemplos são Noites escaldantes (Lawrence Kasdan), The hot spot (Dennis Hopper) ou o colossal Os suspeitos do costume (Bryan Singer). Bons e maus, sem nunca ser claro quem são uns e outros, dilemas morais lancinantes, personagens sempre no limite, gente que respeita valores (pouco interessando se recomendáveis ou não), crime e castigo. E, regra geral, uma mulher fatal (pois claro) como ignição para a desgraça. O que pode o cinema dar-nos de melhor?
4 comentários:
Por falar em film noir modernos, alguma razao especial para nao falar do collateral, do michael mann? achei-o espantoso...
Viva a referência aos "Suspeitos do costume", filme muito ignorado por ca (será?). É dos filmes mais intrigantes que ja vi. Quando acabei de o ver, queria ve-lo de novo, logo a seguir... Aquele twist deixou-me perplexo!!
cumprimentos bunkerianos
Meu caro Nuno, há uma excelente razão para não falar do Collateral: não o vi, e só falo do que não conheço quando tem mesmo que ser... Mas ainda do Mann, o Heat é também um filme grandioso, e que também vai beber muito à escola do "noir". E com uma grande BSO.
Quanto ao "usual suspects", não sei se foi assim tão ignorado. Por mim não foi com certeza, é um dos meus filmes de culto dos anos 90 e até o referi num artigo que há uns tempos escrevi no "tribuna". É engraçado isso de o querer voltar a ver logo a seguir: eu vi-o 3 vezes no cinema no espaço de 1 semana (embora a última tenha sido por acaso), e outras 2 ou 3 na TV. Está tão bem feito que queremos conferir se o realizador não se descuidou em momento nenhum, tipo "deixa ver se desta apanho o Kaiser Soze em falso!"
Estive há meses com esse livro na mão. Agora arrependo-me de não o ter comprado. Na próxima não escapa.
entao, faça favor de ver! he he
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