Discos Perdidos: aqueles que, por razões que a razão desconhece, eu acho muito melhores, mais importantes ou mais marcantes do que as outras pessoas com quem costumo falar sobre discos. Não são causas perdidas ; são as vossas oportunidades perdidas de encontrar um bom amigo.
Nacho Vegas - Cajas de musica dificiles de parar
(2003, Limbo Starr)
Quis o destino que na minha lista pessoal de melhores discos do ano de 2003 praticamente só constassem nomes novos - pelo menos para mim. Entre outros, de quem possivelmente voltarei a falar (como Adam Green, Richard Hawley ou Benjamin Biolay), descobri um singer-songwriter asturiano, que pertencera aos Manta Ray e que nesse ano lançou um ambiciosíssimo segundo álbum, um duplo CD com 20 canções. Conhecia-o das páginas da Rockdelux, que em 2001 tinha distinguido o seu primeiro álbum a solo (Actos Inexplicables) como o melhor do ano. Por mero acaso, numa ida à Galiza deparei-me com este disco acabadinho de sair, e arrisquei comprá-lo quase sem ouvir. Diga-se que até então o único disco pop/rock feito em Espanha que tinha comprado tinha sido o mítico Fai un sol de carallo, dos galegos Os Resentidos, nos idos de 86.
Cajas de musica... abre em fade-in, com uma canção poderosíssima chamada Noches árticas, em que participa uma outra voz que a partir desta altura começou também a ser presença assídua cá por casa: J, vocalista dos granadinos Los Planetas (na minha opinião a melhor banda ibérica, a par dos Mão Morta). Prossegue com um desfiar de estilos que vão do rock de En el jardin de la duermevela ou Stanislavsky ao country de Monomania, do quase circense Todos ellos à valsa canalha de Gang-Bang. Tem altos e baixos, como todos os discos, mas nenhuma canção francamente inferior (o que é obra num disco com 20). As influências vão-se notando aos poucos - Dylan, Cohen, Nick Cave ou Neil Young serão as mais evidentes, aqui e acolá um cheirinho à pop intimista dos Tindersticks ou de algum Lloyd Cole. Mas com ou sem elas, NV é um grande compositor, um excelente contador de histórias e um intérprete de uma intensidade invulgar, como fica claro em canções como a portentosa En la sed mortal (provavelmente o ponto mais alto do disco), Historia de un perdedor ou Por causa de la humedad (onde escreve o meu verso favorito: "esta vida iba a ser otra, y algo salió mal...").
Ouvi obsessivamente estas cajas de musica durante meses a fio, e continuo a ouvi-las com muita frequência. Infelizmente, o público português passou ao lado do disco e do artista (a sua passagem pelo Blá-Blá em 2003, na primeira parte de um concerto de Cat Power que ficaria célebre, praticamente não foi notada), como passa ao lado de quase toda a boa música feita aqui ao lado. Provavelmente a língua e a pronúncia (quando têm a péssima ideia de cantar em inglês) não ajudam, mas acreditem que grupos e artistas como as Nosoträsh, Migala, Australian Blonde, Is, Christina Rosenvinge, Mus, Aroah ou Sr. Chinarro (além dos já referidos Planetas e Manta Ray) merecem bem uma tentativa.
Descubram-no.
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